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A quitação conferida pelo Plano de Demissão Voluntária

28/10/2019

E a (im)possibilidade de reivindicação de direitos decorrentes da relação empregatícia

Isabela Fernandes Pereira1

O Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada (PDV ou PDI) é um instrumento legal utilizado por empresas estatais ou privadas, especialmente por grandes companhias, bancos e empresas públicas, para a redução do quadro de funcionários de um modo menos traumático. 

Isto, pois, ao invés de o empregador dispensar seus funcionários, ele cria estímulos financeiros e benefícios que tornam a ruptura contratual muito mais atraente para os empregados, fazendo com que estes próprios solicitem a resilição do contrato de trabalho. Ou seja, há uma espécie de “pedido de demissão espontâneo” dos trabalhadores mediante um prêmio de incentivo, quando, na verdade, a dispensa é por iniciativa patronal.

O PDV também pode ocorrer na forma de aposentadoria voluntária, nos casos em que os empregados já possuem idade e tempo de serviço mínimos para se aposentar.

Destarte, o PDV é uma espécie de transação, por meio da qual os sujeitos da relação empregatícia, mediante concessões e ônus recíprocos, extinguem o contrato de trabalho, recebendo o empregado, além de suas verbas rescisórias, outros benefícios que não lhe seriam devidos no caso de um mero desligamento por decisão do empregador.

Dentre os benefícios concedidos para os empregados, cita-se: prorrogação do plano de saúde por determinado período, pagamento de salários extras, complementação do plano de previdência privada, além da satisfação de não ser dispensado por decisão potestativa do empregador. Em contrapartida, o empregado perde alguns benefícios, como o seguro desemprego e a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia, parcelas que seriam devidas caso fosse dispensado sem justa causa.

Já para o empregador, os benefícios se perfazem na possibilidade de redução do quadro de funcionários sem muitos transtornos, sem gerar greves e sem afetar, de forma negativa, a imagem da instituição. Ademais, o maior benefício almejado pelo empregador é que, considerando a concessão de benesses e vantagens superiores àquelas previstas no ordenamento jurídico, o empregado se comprometa a não reivindicar judicialmente outros valores e parcelas decorrentes da relação de emprego.

Vale mencionar que, historicamente, as demissões voluntárias incentivadas ocorreram, sobretudo, em momentos de crises financeiras ou instabilidade econômica. Todavia, tais planos também podem ser utilizados em diversas outras circunstâncias, como: mudanças estratégicas, necessária reestruturação produtiva ou privatização.

Importante destacar, ainda, que, além de todos os benefícios supramencionados, o PDV também pode trazer consequências negativas, como o aumento do desemprego a médio ou longo prazo.

Contudo, a grande inquietação quanto à temática é: a adesão do empregado ao PDV enseja quitação de toda e qualquer parcela decorrente do contrato de trabalho? Ou, em outras palavras, após o empregado receber um prêmio de incentivo pela adesão ao PDV, é possível o ajuizamento de reclamação trabalhista pleiteando direitos decorrentes daquela relação empregatícia?

Em 2002 o Tribunal Superior do Trabalho (TST) concebeu a ideia de que, em razão de os direitos trabalhistas serem indisponíveis e irrenunciáveis, a quitação conferida pelo PDV só atingiria as parcelas especificamente discriminadas no recibo, com fundamento no artigo 477, §2º, da CLT e na Súmula 330 do TST. 

O entendimento supra foi consubstanciado na OJ 270 da SBDI-1 do TST, a saber:

OJ 270 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais - SBDI I do TST. PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PARCELAS ORIUNDAS DO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS (inserida em 27.09.2002)
A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.

Ocorre que o texto da supramencionada OJ dá margem à diversas interpretações.

Alguns profissionais militantes na área jurídica seguiam a linha de que o trabalhador que aderiu ao PDV poderia ajuizar ação trabalhista pleiteando todos e quaisquer direitos que entender devidos. Isto, pois, adotavam a ideia de que o PDV conferia quitação apenas com relação aos valores efetivamente pagos no recibo e não aos títulos, visto que conferir eficácia liberatória plena no que concerne aos títulos configuraria patente afronta ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República.

Ademais, corroborando esta linha de intelecção, a OJ 356 da SBDI-1 do TST previa que os valores recebidos em decorrência da adesão ao PDV não poderiam ser compensados com os valores obtidos em futura reclamação trabalhista em face do empregador:

OJ 356, SBDI-1 do TST.   PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (PDV). CRÉDITOS TRABALHISTAS RECONHECIDOS EM JUÍZO. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE (DJ 14.03.2008)
Os créditos tipicamente trabalhistas reconhecidos em juízo não são suscetíveis de compensação com a indenização paga em decorrência de adesão do trabalhador a Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PDV). 

Outra consequência interpretativa da OJ 270 era de que os títulos constantes do recibo não poderiam ser objeto de uma futura reclamação trabalhista, de modo que o trabalhador só poderia pleitear direitos que não aqueles lançados no termo de quitação. Isto é, a quitação abrangeria exclusivamente as parcelas e os valores constantes do recibo, sendo possível o ajuizamento de uma ação trabalhista após a ruptura contratual.

Finalmente, alguns perfilhavam o posicionamento de que a transação conferida pelo PDV teria, sim, o condão de dar quitação quanto ao extinto contrato de trabalho.

Destarte, a matéria provocava considerável controvérsia e gerava acesos debates no âmbito jurídico laboral.

Até que, em 2015, esta discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário 590.415, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, quando, em contrariedade à ideia entabulada pela OJ 270, firmou-se a seguinte tese: 

A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.

O decisium privilegia a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, seguindo a mesma linha da tendência mundial de prestígio dos mecanismos de negociação coletiva, sob o argumento de que o empregado deve contribuir para a elaboração das regras que regem a sua própria vida.

O acórdão elucida, ainda, que a lógica protetiva do direito do trabalho presente na Constituição da República e a concepção de assimetria entre empregado e empregador não se aplicam, na mesma intensidade, às relações coletivas.

Por conseguinte, nesta linha de intelecção, ao aderir ao PDV aprovado em instrumento coletivo, o empregado não teria o direito de pleitear, posteriormente, eventuais direitos trabalhistas não quitados durante o pacto laboral, entendendo-se, assim, pela não incidência, ao caso, do artigo 477, § 2º, da CLT.

À época, muitos juristas e operadores do direito sustentaram que referida decisão representava um verdadeiro retrocesso social, pois ignorava que muitos direitos trabalhistas estão elencados na Constituição e são indisponíveis e, ainda, que o trabalhador, na maior parte das vezes, sequer é devidamente instruído acerca das consequências da adesão ao plano e do poder e amplitude de tal quitação.

Ainda, defendiam que a tese supramencionada ia de encontro ao direito constitucional de livre acesso ao Judiciário, configurando literal e clara ofensa à Constituição.

Por óbvio, o mero arrependimento do trabalhador pela adesão ao PDV não justificaria o ajuizamento de ação trabalhista.

Contudo, não se pode perder de vista que a declaração de vontade do empregado em aderir ao PDV deve ser manifestamente expressa, ou seja, livre de qualquer vício de vontade, em observância ao princípio da livre manifestação de vontade das partes.

Muito pertinente mencionar também que, não havendo uma concessão mútua, com vantagens para ambos os lados da relação contratual, estar-se-á diante de uma renúncia e não de uma transação.

Sepultando parte dessa discussão, recentemente, a Lei n. 13.467/2017, denominada “Reforma Trabalhista”, introduziu a ideia lançada pelo STF na CLT. Vejamos:

Art. 477-B, CLT.  Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Não nos restam mais dúvidas: o PDV tem o condão de dar quitação geral dos direitos decorrentes do contrato de trabalho e não apenas daqueles compreendidos no recibo de quitação.

Porém, mister destacar que, só subsiste a quitação com eficácia geral liberatória mencionada no preceito celetista, se houver previsão em convenção ou acordo coletivo e se as partes não ajustarem ser inexistente a quitação em tal amplitude.

Ou seja, os PDVs estruturados unilateralmente pelo empregador, sem o manto da negociação coletiva, não são alcançados pela regra do artigo 477-B da CLT, não produzindo os efeitos da quitação geral. Logo, nestas circunstâncias, a OJ 270 da SDI-1 do TST continuará dotada de aplicabilidade.

Entretanto, ainda vislumbra-se um novo questionamento: basta a mera previsão do PDV em acordo ou convenção coletiva para ensejar a quitação geral ou é necessário que o instrumento negocial preveja expressamente que o PDV confere quitação plena e irrevogável dos direitos trabalhistas?

Na decisão do STF restou cristalina a imprescindibilidade de que o instrumento do PDV, negociado coletivamente, mencione, expressamente, a quitação ampla e irrestrita, sendo necessário, ainda, que os documentos de adesão ao PDV igualmente façam menção à esse tipo de quitação.

Ou seja, analisando o acórdão da Corte Suprema, nota-se que a ratio decidendi traz requisitos essenciais para que o PDV enseje a tão polêmica quitação.

Em contrapartida, o legislador reformista escolheu se omitir quanto aos cuidados trazidos pelo precedente judicial.

A verdade é que, no momento atual, de quase 2 anos de vigência da Lei 13.467/2017, ainda não há uma jurisprudência consolidada a respeito, o que gera uma temida insegurança aos trabalhadores instados a optarem ou não pela adesão ao PDV.

Resta a nós aguardarmos para descobrir se irá prevalecer a interpretação de que o instrumento coletivo deve prever expressamente a “quitação”, com fundamento no princípio da proteção ao empregado (que sempre imperou no direito do trabalho), ou a interpretação de que a mera menção ao PDV no instrumento negocial é suficiente para conferir quitação plena e irrevogável dos direitos do trabalhador, entendimento que, em uma análise primária, acredita-se que tem mais chances de triunfar, ainda mais considerando a essência e os propósitos das recentes alterações legislativas na seara trabalhista.

Referências bibliográficas

AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma Trabalhista: quem aderir ao plano de demissão voluntária não poderá reclamar direitos depois. IPOG blog. Data da Publicação: 13 jul. 2018. Disponível em: <https://blog.ipog.edu.br/direito/reforma-trabalhista-plano-de-demissao-voluntaria/>. Acesso em: 10 dez. 2018.

CAMPBELL, Kathia Carvalho Cunha. Plano de demissão voluntária. Migalhas. Data da Publicação: 19 jul. 2010. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI111369,11049-Plano+de+demissao+voluntaria>. Acesso em: 10 dez. 2018.

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

FREITAS, Daniele. PDV (Plano de Demissão Voluntária) sob a ótica do STF. Jusbrasil. Data da Publicação: 07 maio 2015. Disponível em: <https://danielecsf.jusbrasil.com.br/artigos/186177191/pdv-plano-de-demissao-voluntaria-sob-otica-do-stf>. Acesso em: 10 dez. 2018.

SILVA, Homero Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

SOUZA, Isabela. Como funciona o plano de demissão voluntária?.Politize!.Data da Publicação: 04 maio 2017. Disponível em: <https://www.politize.com.br/plano-de-demissao-voluntaria-como-funciona/>. Acesso em: 17 dez. 2018.


1 Advogada. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM, MG)

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